Error message

Deprecated function: The each() function is deprecated. This message will be suppressed on further calls in menu_set_active_trail() (line 2405 of /home/etica/www/includes/menu.inc).

O quê é Cidadania?

O quê é Cidadania?

A cidadania pode ser visualizada sob diferentes ângulos.

Sob o aspecto normativo implica no respeito às leis em geral. Cada pessoa é livre para agir de forma que melhor atenda seus interesses, desde que suas ações não violem os limites da legalidade.

Sob aspecto político, implica no direito ao voto em representantes públicos, que cria oportunidades para cada pessoa influir na condução da administração do Estado. A atual Constituição Brasileira, por exemplo, torna explícita essa concepção em seu primeiro artigo ao declarar que “A República Federativa do Brasil tem entre seus fundamentos a cidadania”.

Mas é sob o aspecto social que se encontra a visão mais difundida. Nesta, a cidadania é concebida como relação de direitos protegidos pelo Estado e disponíveis para todos os sujeitos partes de uma Nação. Aqui, cidadão é personagem abstrato, formal e legalmente membro de uma nação estado soberana.

A noção de cidadania centrada no Estado é uma “invenção da Revolução Francesa. A delimitação formal da cidadania; o estabelecimento da igualdade civil, que possibilita o compartilhamento de direitos e obrigações; a institucionalização de direitos políticos; a racionalização legal e separação ideológica entre cidadãos e estrangeiros; a articulação doutrinária da soberania nacional, que correlaciona cidadania e nacionalidade; o surgimento das relações diretas e sem intermediários entre o cidadão e o Estado; são conceitos gerados pela Revolução Francesa de 1789 e que, pela primeira vez na História, abarcam a Nação como um todo” (Brubaker, página 35).

A limitação na concepção de cidadania enquanto direito subjetivo é que representa uma visão individualista, onde o papel do outro é mitigado. Na efetivação dos direitos trava-se uma luta de natureza concorrencial, com apelo ao Judiciário em muitos casos, e cujo objetivo é satisfazer as próprias pretensões sem maiores considerações, desde que nos limites legais, pelo impacto dessa satisfação sobre o bem estar coletivo. Esquece-se que direitos são, em larga escala, oponíveis contra o Estado, e que o Estado, por sua configuração gerencial dos recursos sociais, não produz renda, mas confisca-a da sociedade. Nessa visão, direitos representam transferências indiretas da produto social para os beneficiados e livres de ônus para estes. Em certos casos podem representar efetivação de justiça social e em outros casos meros privilégios.

À visão de cidadania enquanto direitos sociais hegemônicos opõem-se a visão de cidadãos enquanto agentes morais. Este modelo funda-se no dualismo agente intencional, ou que exerce determinada ação, e o agente que sofre os efeitos da ação. Tanto o agente intencional quanto o agente que sofre os efeitos da ação devem ser considerados em um contexto moral e seus correlacionados aspectos valorativos. A ação do agente intencional voltada para atender objetivos e metas subjetivas não pode ter como resultado impedir ou levantar obstáculos à ação do outro, nem extrair injustamente riqueza social da esfera deste (o confisco de riqueza social dá-se por sua apropriação a partir de critérios baseados em desequilíbrios nas relações de poder).

Condição de vida e cidadania

A principal razão psicológica que induz mudanças na situação de vida das pessoas apresenta-se nas condições particulares em que estão mergulhadas e precisam enfrentar na luta pela sobrevivência. Se essas condições são inadequadas e exigem transformações estruturais, e se sufoca-se o grito por tais mudanças elimina-se no nascedouro as possibilidades de aprendizado, pela experiência, do significado da expressão “interesses pessoais legítimos”.

Na configuração dos interesses pessoais legítimos, autonomia é conceito que ultrapassa a liberdade de ação individual e exige respeito à iniciativa do outro, com clara delimitação da área de atuação de cada um em condições de igualdade social.

Delimitação de área de atuação, condição de igualdade e liberdade social são, antes de tudo, práticas que os sujeitos experimentam, compreendem e atribuem significado durante seus percursos de vida. Se ficam confinadas apenas no plano abstrato, então não adquirem a força e a eficácia derivados do enfrentamento das situações diárias postas pela vida e que, pela autorreflexão, apontam para a necessidade da racionalidade no agir humano.

É no pensar sobre as atitudes, as escolhas e ações empreendidas e nos resultados e objetivos alcançados que se modela a mais adequada forma de ação e se estabelece o padrão de hábitos que compõem as rotinas que resultam em melhores condições de vida. Isso é responsabilidade.

Com a incorporação da responsabilidade como prática rotineira, pelo desenvolvimento do hábito da iniciativa e pela incorporação de novas necessidades decorrentes do ato de existir, elementos esses englobados no conceito de “autonomia”, identificam-se os requisitos dos processos evolutivos que fornecem condições para o desenvolvimento sustentável das famílias, dos grupos, das comunidades e, em visão abrangente, da própria sociedade.

Por outro lado, quando se tutela algum comportamento ou situação na vida de uma pessoa, as possibilidades de escolha de ação são retiradas da esfera do tutelado e transferidas para a responsabilidade do tutor. A incorporação da racionalidade na formação psicológica do sujeito que resulta da compreensão dos méritos e perdas das diferentes escolhas que se apresentam no decurso da experiência é negada. O modelo cognitivo é imposto externamente na tentativa de estabilizar e tornar previsíveis os comportamentos do tutelado, restando a este a experiência da conformação.

Cidadania, Democracia e Agentes Morais

Não basta votar e esperar resultados: o voto é apenas um elemento do sistema democrático. É preciso mostrar explicitamente aos eleitos o que se espera deles e demonstrar que a natureza de seus cargos não equivale a empregos bem remunerados. Se não têm condições de desempenhar o papel a que se propuseram, que renunciem. A velha e surrada frase “donos do poder” já não encontra lugar em sociedades democráticas, pois pressupõe súditos e não cidadãos ativos.

Também não é factível esperar que qualquer governo, por melhor estruturado e moralmente correto que seja, resolva todos os problemas políticos, econômicos e sociais das sociedades complexas contemporâneas, entre elas o Brasil.

Requer-se que o cidadão participe ativamente da construção social e no funcionamento das Instituições, reinventando a si mesmo, transformando as deficiências e planejando os caminhos a serem seguidos. Tal fenômeno exige a expansão do conceito de cidadania em agente moral, no qual o sujeito racionalmente conhece, age e muda o perfil da sociedade de modo a aumentar o nível de satisfação e bem-estar geral

A invenção da cidadania

Em algum momento da história humana alguém teve a ideia de que o enfrentamento das necessidades de sua comunidade não era necessariamente uma obrigação dos grandes proprietários de terras, dos economicamente mais abastados, dos chefes militares, dos líderes tribais mais influentes ou mesmo dos chefes das grandes famílias. Em outras palavras, dos líderes comunitários “naturais”.

Ao contrário, a sobrevivência e o bem-estar comunitário podem ser obtidos de forma mais eficaz se os assuntos que lhes são afetos forem conduzidos por uma classe de sujeitos que, em função de qualidades e habilidades pessoais, sejam úteis e valiosos para a comunidade como um todo.

Nasceu, assim, a ideia de cidadania. (Ulrich K. Preuss – O significado difuso de cidadania).

A Cidadania sitiada

cidadania-sitiada


Carente de autorreflexão e diferenciação, a sociedade fragmenta-se em grupos que espelham as necessidades da divisão do trabalho, sem projeto de Nação. Alguns poucos, em simulacros da expressão de liberdade, se engajam em protestos que lembram esforços narcisistas na perspectiva de combater a angústia de vidas sem sentidos. Macunaíma, de Mário de Andrade, é “herói sem nenhum caráter”.

Talvez encarnemos Macunaímas, pois a corrupção endêmica que assola a vida pública atrai menos interesse do que a vida de alguém na mídia. A penúria do sistema de educação se seculariza e não é valorado como meio eficaz para disseminação do que seja vida em sociedade ou, no mínimo, forma de ascensão social.

Na base de transferência de responsabilidade do privado para o público, pois nos vemos sem responsabilidades sociais além daquelas que atendem eminentemente nossos interesses, contemporizamos nossa alienação: até que aprendamos o significado de cidadania, o Estado que tutele nossos problemas! Se para cada conduta inadequada for possível criar uma válvula de escape, como nova lei que simbolicamente ataque a questão, apoiamos sem qualquer constrangimento.

A história mostra a inadequação dessa visão (a educação, desde a época do Império Brasileiro, padece dos mesmos males de baixa qualidade e inadequação social).

Ignoramos que a solução encontra-se em nós mesmos, em nossa idealização do que seja a pessoa representada no cidadão.

Não é fácil ou de resultados imediatos e requer entendimento e esforço na mudança de atitudes, ou incorporação da autonomia como fundamento de vida. Pois cidadania é caracterização psicológica em que o sujeito compreende e aceita o fato de que vive em sociedade e possui responsabilidades sociais na medida em que seus comportamentos e valores influenciam outras existências, da mesma forma que é influenciado.

Comportamentos e atitudes cidadãs são conquistas que se efetivam no engajamento, no estudo, na crítica consequente e no agir prudente.

Cognitivamente, é capacidade de diferenciar ações e comportamentos essencialmente privados daqueles que propiciam ganhos sociais qualitativos. Aqui, dá-se a diferenciação entre cidadania e direitos: direitos são capacidades constitucionalmente asseguradas com o intuito de concretizar a igualdade e a liberdade (ambos conceitos morais). Direitos se contrapõem à violações na autonomia e são eficazes somente em ambientes eticamente embasados pela ideia de participação na construção social fundada na responsabilidade e justificação de atos. Senão, são apenas formas disfarçadas de privilégios juridicamente exigíveis de acordo com a posição social de quem os requerer.

A Cidadania regulada

Foi no Estado Novo de Getúlio Vargas, com a criação e tutela da cidadania de natureza corporativa, que o cientista política Wanderley Guilherme dos Santos forjou o termo “cidadania regulada”, que designa a condição em que o Estado unilateralmente decide e implementa constitucionalmente os direitos dos cidadãos trabalhadores. O exemplo típico desse período é o início dos direitos de natureza trabalhista, modelados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), até hoje prevalente no Brasil.